A civilização ocidental moderna tem, entre outras pretensões, a de ser eminentemente "científica"; seria bom precisar um pouco mais o que se entende por esta palavra, mas isto geralmente não é feito porque ela pertence àquele tipo de palavras às quais nossos contemporâneos parecem atribuir uma espécie de poder misterioso, independentemente de seu significado. A "Ciência", com letra maiúscula, assim como o "Progresso" e a "Civilização", como o "Direito", a "Justiça" e a "Liberdade", é uma dessas entidades que mais vale não procurar definir, e que correm o risco de perder todo o seu prestígio se forem examinadas mais de perto. Todas as chamadas "conquistas" de que tanto se orgulha o mundo moderno reduzem-se, assim, a grandes palavras atrás das quais não há nada ou quase nada: sugestão
coletiva, dizíamos, ilusão que , por ser compartilhada por tantos indivíduos e por manter-se da forma como se mantém, não poderia ser espontânea; talvez um dia tentemos elucidar um pouco este lado da questão. Mas no momento não ê este o aspecto principal; apenas constatamos que o Ocidente
atual acredita nas
idéias de que há pouco falávamos, se é que se pode chamar aquilo de
idéias, não importando a maneira pela qual chegou a essa crença. Não são verdadeiramente
idéias, pois muitos dos que pronunciam essas palavras com a maior convicção não têm em mente nada de muito definido que a elas corresponda; no fundo existe apenas, na maioria dos casos, a expressão, pode-se dizer até a personificação, de aspirações sentimentais um tanto vagas. São verdadeiros ídolos, são divindades de uma espécie de "religião leiga" que, é claro, não é bem definida e não o pode ser, mas que nem por isto deixa de ter uma existência muito real: não é religião, no próprio sentido da palavra, porém algo que pretende substituí-la, que mereceria mais propriamente ser chamado de "contra-religião". A primeira origem deste estado de coisas remonta ao início, também, da época moderna, em que o espírito anti-tradicional se manifestou imediatamente pela proclamação do "livre exame", isto é, da ausência, na ordem doutrinária, de qualquer princípio superior às opiniões individuais. A anarquia intelectual devia fatalmente daí resultar: donde a multiplicidade ilimitada de seitas religiosas e
pseudo-religiosas, de sistemas filosóficos visando acima de tudo ã originalidade, de teorias científicas tão
efêmeras quanto
pretensiosas; um caos incrível dominado, entretanto, por uma certa unidade, pois existe um espírito especificamente moderno do qual tudo isto procede, mas uma unidade, em seu todo, completamente negativa,pois é
exatamente uma ausência de princípio, que se traduz por essa indiferença para com a verdade e o erro que recebeu, a partir do século XVIII, o nome de "tolerância". Compreendam-nos bem: não pretendemos de forma alguma acusar a tolerância prática, exercida para com indivíduos, apenas a tolerância teórica, que pretende exercer-se com relação às
idéias, reconhecendo em todas elas os mesmos direitos, o que deveria logicamente implicar em um
ceticismo radical; e além disto não podemos deixar de constatar que, c£ como todos os propagandistas, os apóstolos da tolerância são de fato com muita
freqüência os mais intolerantes entre os homens. Produziu-se, com efeito, algo que é de uma ironia sem par: aqueles que quiseram derrubar todos os dogmas criaram, para seu uso, não diremos um novo dogma, mas uma caricatura de dogma, que conseguiram impor ao mundo ocidental em geral; assim se estabeleceram, sob pretexto de "liberdade de pensamento", as crenças mais
quiméricas jamais vistas a qualquer tempo, sob a forma desses vários ídolos dentre os quais há pouco enumerávamos os principais. De todas as superstições pregadas por aqueles que se dedicam a
deblaterar a qualquer propósito contra a "superstição", a da "ciência" e da "razão" é a única que parece, à primeira vista, não repousar sobre uma base sentimental; mas existe as vezes um racionalismo que não passa de sentimentalismo disfarçado, conforme o prova a paixão de seus partidários, o ódio que nutrem contra tudo o que contraria suas tendências ou ultrapassa sua compreensão. Em todo caso, como o racionalismo, aliás, corresponde a uma redução da intelectualidade, é natural que seu desenvolvimento se processe paralelamente ao do sentimentalismo, tal como explicamos no capítulo precedente; por si só, cada uma destas duas tendências pode ser representada de modo mais especial por certas individualidades ou por certas correntes de pensamento, c, em virtude das expressões mais ou menos exclusivas e sistemáticas que são levadas a assumir, pode até existir entre elas conflitos aparentes que dissimulam, aos olhos do observador superficial, sua solidariedade profunda. O racionalismo moderno começa, em suma, em Descartes (teve até alguns precursores no século XVI) e podemos seguir-lhe os passos através de toda a filosofia moderna, tanto quanto no domínio científico; a
reação atual do intuicionismo e do pragmatismo contra ele dá-nos um exemplo desses conflitos - e vimos, no entanto, que Bergson aceitava perfeitamente a definição cartesiana de inteligência. Não é
sus natureza que é questionada, apenas sua supremacia. No século XVIII houve também antagonismo entre o racionalismo dos
enciclopedistas e o sentimentalismo de Rousseau; ambos, entretanto, serviram igualmente à preparação do movimento revolucionário, o que demonstra que se enquadravam na unidade negativa do espírito anti-tradicional. Se colocamos lado a lado este exemplo e o precedente, não será porque atribuímos a Bergson qualquer intenção político; não podemos, porém, impedir-nos de pensar na utilização de suas
idéias em certos meios sindicalistas, sobretudo na Inglaterra, enquanto que cm outros meios semelhantes o espírito "científico" está mais do que nunca em posição de destaque. No fundo, parece que uma das grandes habilidades dos "dirigentes", da mentalidade moderna consiste em favorecer alternada ou
simultaneamen te às duas tendências em questão de acordo com a oportunidade, em estabelecer entre elas uma espécie de dosagem, por um jogo de equilíbrio que corresponde a preocupações com certeza mais políticas do que intelectuais; esta habilidade, de resto, pode não ser sempre intencional, e não pretendemos pôr em dúvida a sinceridade de qualquer erudito, historiador ou filósofo; mas estes, muitas vezes, são apenas "dirigentes" aparentes e podem ser por sua vez dirigi -dos ou influenciados sem disto nem de leve suspeitarem. Ademais, o uso que se faz de suas
idéias nem sempre corresponde a suas próprias intenções, e seria um erro responsabilizá-los ou acusá-los por não haverem previsto certas
conseqüências mais ou menos remotas; basta, porém, que estas
idéias estejam em conformidade com uma ou outra das tendências de que falamos para que sejam utilizáveis no sentido que acabamos de referir; e, considerando-se o estado de anarquia intelectual em que mergulhou o Ocidente, tudo se passa como se a intenção fosse mesmo aproveitar a própria desordem e tudo o que se agita no caos para a realização de um plano rigorosamente determinado. Não pretendemos insistir demasiadamente neste ponto, mas é muito difícil não o retomarmos de vez em quando, pois não podemos admitir que uma raça inteira seja pura e simplesmente acometida por uma espécie de loucura que vem durante
ha vários séculos, e é premente que haja algo que, apesar de tudo, dê um significado ã civilização moderna; não cremos no acaso, e estamos persuadidos de que tudo o que existe deve ter uma causa; aqueles que são de outra opinião têm toda a liberdade para deixar de lado este tipo de considerações.
(
René Guénon,
Orient et Occident,
Éditions Véga, Paris, 2006)
Tradução: Maria Helena Lyra da Silva Rieper---
A religião da Idade Moderna., uma espécie de futebol para letrados, com os seus templos e ídolos. O dogma que o método científico imputa à religião, deforma a visão clara das coisas ao emitir generalizações e leis e axiomas que, ainda que corretos, não ultrapassam o plano da aplicação através das ondas e dos choques tecnológicos.]
-o exemplo das ciências ditas exactas-
As ciências exatas são uma criação, à falta de melhor, dos ideólogos que protagonizaram a cisão entre ciências naturais e ciências sociais (e humanas); no séc XIX.
Lobachevski deu um grande alor ao pensamento matemático ao deixar patente que Einstein aplicaria a geometria não euclidiana nas suas abordagens aos fenómenos físicos. No entanto, as referências do físico à velocidade da luz estão a ser revistas por mentes nacionais, tendo, portanto, em vista uma reformulação da famosa fórmula da energia/massa einsteiniana.
A matemática, uma vez inventados os números irracionais, deixa de ser exata em alguns casos;; uma fração é uma divisão e se somarmos 3 x1/3 obtém-se 1; porém, se se dividir 1 por três 3 vezes a soma dá 0,9. - ora, 90 cêntimos não é 1 euro!