domingo, 22 de junho de 2008

«ENTENTE ET NON FUSION»

Todas as civilizações orientais, apesar das suas grandes diferenças, podem ser comparadas entre si, já que todas possuem um caráter essencialmente tradicional; cada tradição tem a sua expressão e os seus modelos próprios, mas, onde quer que haja tradição, no sentido verdadeiro e profundo deste vocábulo, existe necessariamente acordo sobre os princípios. As diferenças existem unicamente nas formas exteriores, nas aplicações contingentes, naturalmente condicionadas pelas circunstâncias, especialmente pelos carateres étnicos e que, para uma determinada civilização podem mesmo variar entre determinados limites, já que se trata do domínio deixado à adaptação.
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Declaramos também, formalmente, que o objetivo essencial que a elite intelectual, se se conseguir constituir um dia, deve assinalar à sua atividade, é o retorno do Ocidente a uma civilização tradicional; acrescentamos que, se houve um desenvolvimento propriamente ocidental neste sentido, é a Idade Média que nos oferece esse exemplo, de modo que, no fundo, se trataria não de copiar nem de reconstituir pura e simplesmente o que existia nessa época (coisa manifestamente impossível, já que e, embora alguns o pretendam, a história não se repete, havendo no mundo coisa coisas análogas, mas não idênticas), mas antes de se inspirar na adaptação requerida pelas circunstâncias.
(René Guénon, Orient et Occident, Éditions Véga, Paris, 2006)

sábado, 21 de junho de 2008

Constituição e Papel da Elite

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O que entendemos por elite intelectual não tem nada em comum com aquilo que, no Ocidente actual, é por vezes conhecido por essa designação. Os sábios e filósofos mais eminentes nas suas especializações podem não ser, de modo nenhum, qualificados para fazer parte dessa elite; há mesmo grandes probabilidades de o não serem, devido às atitudes mentais que adquiriram, aos inseparáveis e múltiplos preconceitos e, sobretudo, devido à «miopia intelectual» que é a consequência mais comum; certamente que pode haver sempre honrosas exceções, mas não se deve contar muito com isso.
(René Guénon, Orient et Occident, Éditions Véga, Paris, 2006)

O Acordo sobre os Princípios

Quando se quer falar de princípios aos nossos contemporâneos, não se deve esperar a sua compreensão sem dificuldade, já a sua maior parte não ignora totalmente o que pode ser isso, não duvidando mesmo que isso possa existir; com certeza que, também eles, falam de princípios (por vezes demais), mas aplicando sempre esta palavra a tudo aquilo que lhes convém. É assim que, na nossa época, se chama «princípios» às leis científicas um pouco mais gerais que as outras, que são exactamente contrárias, na realidade, já que elas não são mais do que conclusões e resultados indutivos, quando mesmo não passam de simples hipóteses.
(René Guénon, Orient et Occident, Éditions Véga, Paris, 2006)

Tentativas Falhadas

Ao formularmos a ideia de aproximação ente Oriente e Ocidente não tivemos qualquer pretensão de emitir uma ideia nova - o que, aliás, não é necessário para que seja interessante -; o amor pela novidade, que não é mais do que a necessidade de mudança, e a procura de originalidade, consequência de um individualismo intelectual que roça a anarquia, são marcas próprias da mentalidade moderna, as quais afirmam as suas tendências anti-tradicionais.
(René Guénon, Orient et Occident, Éditions Véga, Paris, 2006)

Terrores Quiméricos e Perigos Reais

Os Ocidentais, apesar da elevada opinião que possuem de si mesmos e da sua civilização, sabem bem que o seu domínio sobre o resto do mundo está longe de ser assegurado de modo definitivo, que poderá estar exposto a acontecimentos que lhes é impossível prever e, sobretudo, impedir.
(René Guénon, Orient et Occident, Éditions Véga, Paris, 2006)

[Este impulso ocidental e apolíneo da vontade de potência tem marcado a história dos povos, agora em declínio perante os argumentos esotéricos dos novos sábios. ]

A Superstição da Vida

Os Ocidentais repreendem frequentemente às civilizações orientais, entre outras coisas, o seu caráter de fixidez e de estabilidade - o que lhes aparece como a negação do progresso. Para nós, este caráter indica que essas civilizações participam da imutabilidade dos princípios sobre os quais se apoiam, sendo este um dos aspectos essenciais da ideia de tradição; a civilização moderna é eminentemente mutável precisamente porque lhe falta esse princípio.
(René Guénon, Orient et Occident, Éditions Véga, Paris, 2006)

A Superstição da Ciência

A civilização ocidental moderna tem, entre outras pretensões, a de ser eminentemente "científica"; seria bom precisar um pouco mais o que se entende por esta palavra, mas isto geralmente não é feito porque ela pertence àquele tipo de palavras às quais nossos contemporâneos parecem atribuir uma espécie de poder misterioso, independentemente de seu significado. A "Ciência", com letra maiúscula, assim como o "Progresso" e a "Civilização", como o "Direito", a "Justiça" e a "Liberdade", é uma dessas entidades que mais vale não procurar definir, e que correm o risco de perder todo o seu prestígio se forem examinadas mais de perto. Todas as chamadas "conquistas" de que tanto se orgulha o mundo moderno reduzem-se, assim, a grandes palavras atrás das quais não há nada ou quase nada: sugestão coletiva, dizíamos, ilusão que , por ser compartilhada por tantos indivíduos e por manter-se da forma como se mantém, não poderia ser espontânea; talvez um dia tentemos elucidar um pouco este lado da questão. Mas no momento não ê este o aspecto principal; apenas constatamos que o Ocidente atual acredita nas idéias de que há pouco falávamos, se é que se pode chamar aquilo de idéias, não importando a maneira pela qual chegou a essa crença. Não são verdadeiramente idéias, pois muitos dos que pronunciam essas palavras com a maior convicção não têm em mente nada de muito definido que a elas corresponda; no fundo existe apenas, na maioria dos casos, a expressão, pode-se dizer até a personificação, de aspirações sentimentais um tanto vagas. São verdadeiros ídolos, são divindades de uma espécie de "religião leiga" que, é claro, não é bem definida e não o pode ser, mas que nem por isto deixa de ter uma existência muito real: não é religião, no próprio sentido da palavra, porém algo que pretende substituí-la, que mereceria mais propriamente ser chamado de "contra-religião". A primeira origem deste estado de coisas remonta ao início, também, da época moderna, em que o espírito anti-tradicional se manifestou imediatamente pela proclamação do "livre exame", isto é, da ausência, na ordem doutrinária, de qualquer princípio superior às opiniões individuais. A anarquia intelectual devia fatalmente daí resultar: donde a multiplicidade ilimitada de seitas religiosas e pseudo-religiosas, de sistemas filosóficos visando acima de tudo ã originalidade, de teorias científicas tão efêmeras quanto pretensiosas; um caos incrível dominado, entretanto, por uma certa unidade, pois existe um espírito especificamente moderno do qual tudo isto procede, mas uma unidade, em seu todo, completamente negativa,pois é exatamente uma ausência de princípio, que se traduz por essa indiferença para com a verdade e o erro que recebeu, a partir do século XVIII, o nome de "tolerância". Compreendam-nos bem: não pretendemos de forma alguma acusar a tolerância prática, exercida para com indivíduos, apenas a tolerância teórica, que pretende exercer-se com relação às idéias, reconhecendo em todas elas os mesmos direitos, o que deveria logicamente implicar em um ceticismo radical; e além disto não podemos deixar de constatar que, c£ como todos os propagandistas, os apóstolos da tolerância são de fato com muita freqüência os mais intolerantes entre os homens. Produziu-se, com efeito, algo que é de uma ironia sem par: aqueles que quiseram derrubar todos os dogmas criaram, para seu uso, não diremos um novo dogma, mas uma caricatura de dogma, que conseguiram impor ao mundo ocidental em geral; assim se estabeleceram, sob pretexto de "liberdade de pensamento", as crenças mais quiméricas jamais vistas a qualquer tempo, sob a forma desses vários ídolos dentre os quais há pouco enumerávamos os principais. De todas as superstições pregadas por aqueles que se dedicam a deblaterar a qualquer propósito contra a "superstição", a da "ciência" e da "razão" é a única que parece, à primeira vista, não repousar sobre uma base sentimental; mas existe as vezes um racionalismo que não passa de sentimentalismo disfarçado, conforme o prova a paixão de seus partidários, o ódio que nutrem contra tudo o que contraria suas tendências ou ultrapassa sua compreensão. Em todo caso, como o racionalismo, aliás, corresponde a uma redução da intelectualidade, é natural que seu desenvolvimento se processe paralelamente ao do sentimentalismo, tal como explicamos no capítulo precedente; por si só, cada uma destas duas tendências pode ser representada de modo mais especial por certas individualidades ou por certas correntes de pensamento, c, em virtude das expressões mais ou menos exclusivas e sistemáticas que são levadas a assumir, pode até existir entre elas conflitos aparentes que dissimulam, aos olhos do observador superficial, sua solidariedade profunda. O racionalismo moderno começa, em suma, em Descartes (teve até alguns precursores no século XVI) e podemos seguir-lhe os passos através de toda a filosofia moderna, tanto quanto no domínio científico; a reação atual do intuicionismo e do pragmatismo contra ele dá-nos um exemplo desses conflitos - e vimos, no entanto, que Bergson aceitava perfeitamente a definição cartesiana de inteligência. Não é sus natureza que é questionada, apenas sua supremacia. No século XVIII houve também antagonismo entre o racionalismo dos enciclopedistas e o sentimentalismo de Rousseau; ambos, entretanto, serviram igualmente à preparação do movimento revolucionário, o que demonstra que se enquadravam na unidade negativa do espírito anti-tradicional. Se colocamos lado a lado este exemplo e o precedente, não será porque atribuímos a Bergson qualquer intenção político; não podemos, porém, impedir-nos de pensar na utilização de suas idéias em certos meios sindicalistas, sobretudo na Inglaterra, enquanto que cm outros meios semelhantes o espírito "científico" está mais do que nunca em posição de destaque. No fundo, parece que uma das grandes habilidades dos "dirigentes", da mentalidade moderna consiste em favorecer alternada ou simultaneamen te às duas tendências em questão de acordo com a oportunidade, em estabelecer entre elas uma espécie de dosagem, por um jogo de equilíbrio que corresponde a preocupações com certeza mais políticas do que intelectuais; esta habilidade, de resto, pode não ser sempre intencional, e não pretendemos pôr em dúvida a sinceridade de qualquer erudito, historiador ou filósofo; mas estes, muitas vezes, são apenas "dirigentes" aparentes e podem ser por sua vez dirigi -dos ou influenciados sem disto nem de leve suspeitarem. Ademais, o uso que se faz de suas idéias nem sempre corresponde a suas próprias intenções, e seria um erro responsabilizá-los ou acusá-los por não haverem previsto certas conseqüências mais ou menos remotas; basta, porém, que estas idéias estejam em conformidade com uma ou outra das tendências de que falamos para que sejam utilizáveis no sentido que acabamos de referir; e, considerando-se o estado de anarquia intelectual em que mergulhou o Ocidente, tudo se passa como se a intenção fosse mesmo aproveitar a própria desordem e tudo o que se agita no caos para a realização de um plano rigorosamente determinado. Não pretendemos insistir demasiadamente neste ponto, mas é muito difícil não o retomarmos de vez em quando, pois não podemos admitir que uma raça inteira seja pura e simplesmente acometida por uma espécie de loucura que vem durante ha vários séculos, e é premente que haja algo que, apesar de tudo, dê um significado ã civilização moderna; não cremos no acaso, e estamos persuadidos de que tudo o que existe deve ter uma causa; aqueles que são de outra opinião têm toda a liberdade para deixar de lado este tipo de considerações.
(René Guénon, Orient et Occident, Éditions Véga, Paris, 2006)
Tradução: Maria Helena Lyra da Silva Rieper
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A religião da Idade Moderna., uma espécie de futebol para letrados, com os seus templos e ídolos. O dogma que o método científico imputa à religião, deforma a visão clara das coisas ao emitir generalizações e leis e axiomas que, ainda que corretos, não ultrapassam o plano da aplicação através das ondas e dos choques tecnológicos.]
-o exemplo das ciências ditas exactas-
As ciências exatas são uma criação, à falta de melhor, dos ideólogos que protagonizaram a cisão entre ciências naturais e ciências sociais (e humanas); no séc XIX.
Lobachevski deu um grande alor ao pensamento matemático ao deixar patente que Einstein aplicaria a geometria não euclidiana nas suas abordagens aos fenómenos físicos. No entanto, as referências do físico à velocidade da luz estão a ser revistas por mentes nacionais, tendo, portanto, em vista uma reformulação da famosa fórmula da energia/massa einsteiniana.
A matemática, uma vez inventados os números irracionais, deixa de ser exata em alguns casos;; uma fração é uma divisão e se somarmos 3 x1/3 obtém-se 1; porém, se se dividir 1 por três 3 vezes a soma dá 0,9. - ora, 90 cêntimos não é 1 euro!